A cidade não tem mais, mas tem mais

Por Wilson Liberato (De São Paulo/SP)

A cidade não tem mais, mas tem mais
Wilson Liberato é escritor

Cinquenta anos atrás, deixei Formiga para viver em São Paulo. Fiquei espantado com o remanescente do império Matarazzo; pujantes empresas de aviação: Varig, Cruzeiro, Transbrasil, Vasp; megalojas: Mappin, Mesbla, G. Aronson, Jumbo Eletro; duas ou mais salas de cinema em cada bairro; fábricas de automóveis... Só para ficar com algumas pouquíssimas lembranças. Sobravam empregos. Tudo despencou, ruiu, faliu. Cheguei a ouvir protestos contra o governo que nada fez para contornar a situação. 
Nessa ocasião, minha cidade mineira tinha a metade dos habitantes de hoje (embora a gente desconfie do IBGE). Ficaram para trás uma acanhada lojinha no início do bairro Engenho de Serra, a Casa 505, da qual minha mãe era fiel cliente; duas lojas de material de construção; uma cerâmica; a grande Casa 3 Irmãos; a fábrica de sabonetes Ibê; a de bonecas Oriental; a de enxovais; a de balas Chita; uma fábrica de móveis; uma de banha; a Leiteria Figuinha; 3 cinemas; 4 escolas de ensino fundamental, 3 de ensino médio; um restaurante (Capri); uma mercearia bem pequenininha; 3 panificadoras... Coisas que me lembro, assim, de bate-pronto, sem me ater a pesquisas. Tudo somado, o número de empregos não passava de cem. Tudo faliu, acabou-se tudo. (Opa!) Até hoje ouço quem proteste contra os prefeitos que nada fizeram para evitar a derrocada. (Eu mesmo cheguei a compartilhar dessa ideia canhestra.)
São Paulo perdeu muitas empresas, mas outras vieram: hotéis, shopping centers suntuosos, universidades, restaurantes, empresas de rádio e TV, escolas aos montes, uma enorme estação rodoviária, novos aeroportos, mais hospitais – gerando uma profusão de empregos. Formiga também perdeu algumas empresas, mas várias outras vieram: fábricas de móveis que custam dar conta das encomendas, muitas escolas e creches, bares, restaurantes, uma dezena de lojas de material de construção, churrascarias, padarias e hortifrutis por todo lado; a famosa linguiça, supermercados, um frenesi no setor da construção civil, lojas locais ou de fora (a Casa 505 virou duas megalojas), fábricas que vão de biscoito a carteiras escolares, sem falar dos avanços na tecnologia e informática, além da imprensa – gerando também uma profusão de empregos. Ninguém pode se queixar. Ou seja, a cidade não tem mais o que teve, mas tem muito mais. 
No final de 1991, a poderosa empresa aérea americana Pan Am (PanAmerican Airways) faliu. Antes, seus dirigentes chegaram a marcar audiência com o então presidente George Bush, na esperança de receber ajuda financeira federal para evitar uma avalanche de desempregos. O presidente se compadeceu da situação, mas alegou que não poderia desviar recursos dos contribuintes para socorrer uma empresa privada. Mais ou menos como se dissesse: Se há lucro é todo seu. Se prejuízo, aí, é seu e meu?
O poder público pode vir em socorro de empresas que vão à bancarrota, mas há limites. Pode-se postergar ou parcelar a cobrança de impostos, mas pouco mais além disso. Exigir de prefeito, governador ou presidente ajuda financeira para sanear contas de empresas do setor privado não parece ser muito justo. Contudo, a discutir.