A inconfidente que teve filho vigário em Formiga

Hipólita Jacinta Teixeira de Melo foi a única mulher que participou ativamente da Inconfidência Mineira

A inconfidente que teve filho vigário em Formiga
Hipólita imaginada por Selma Weismann, em ilustração do livro ‘Independência do Brasil – as mulheres que estavam lá’ (FOTO: Selma Weismann/Divulgação )

Assim como nascem grandes personalidades em Formiga que ganham o Brasil, outras fazem da cidade morada e, pela importância da família que pertencem e dos ofícios exercidos nas Areias Brancas, ficam registradas para sempre na história do país. É o caso do Padre Francisco da Anunciação Teixeira Coelho, que foi o segundo vigário de Formiga é sempre lembrado por ser filho da única mulher que participou ativamente da Inconfidência Mineira: Hipólita Jacinta Teixeira de Melo.
Com a ajuda de Geraldo Teixeira, do Compac (Conselho Municipal do Patrimônio Cultural), a “a par” conseguiu a informação do ano que ele esteve como padre nas Areias Brancas. Foi a partir do dia 4 de março de 1845, ficando em Formiga até a sua morte, em 8 de janeiro de 1866.
Francisco da Anunciação foi um dos dois filhos de criação de Hipólita e de seu marido, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, companheiro do alferes Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), o grande personagem da Inconfidência Mineira. 
Só para lembrar, esse movimento histórico foi uma revolta separatista organizada por membros da elite socioeconômica de Minas Gerais contra o pagamento de dívidas e impostos cobrados pelo governo português em 1.788 e 1.789. Eram grandes homens comprometidos em libertar o Brasil de Portugal e instaurar um novo regime.

Hipólita 
Nascida em 1748, em Prados, interior de Minas, Hipólita Jacinta teve uma história de vida surpreendente. Conforme reportagem do portal “Aventuras na História”, do “Uol”, não existe uma descrição da fisionomia da inconfidente, nada que possa dar uma pista de como ela era realmente. O que existe são alguns estudos, como os da historiadora e professora Heloisa Starling, que dão luz a quem foi colocada na sombra da história, e uma pintura imaginada por Selma Weismann, em 1965, e que ilustra o livro “Independência do Brasil – as mulheres que estavam lá”.
No entanto, Hipólita é descrita como uma mulher destemida, de personalidade forte, educada e culta. Ela foi a articuladora do movimento que lutava por condições de vida e trabalho melhores em Minas Gerais e, consequentemente, para o Brasil.

A atuação da inconfidente
Hipólita Jacinta foi uma figura importante na Inconfidência Mineira. No início, ela ajudou na comunicação entre os revoltados inconfidentes, arriscando-se a distribuir cartas e comunicados. Mais tarde, com os principais líderes presos, foi de fundamental importância para organizar uma articulação com militares mineiros para levar a revolução adiante.
De acordo com historiadores, a família da inconfidente marcava presença importante na política mineira. Seu pai, Pedro Teixeira de Carvalho, era um rico minerador e capitão-mor da Vila de São José Del Rey, atual cidade de Tiradentes. Ele deixou toda a sua fortuna para a filha, inclusive a Fazenda da Ponta do Morro, onde Hipólita continuou a morar com Francisco depois de casada. A fazenda tornou-se uma “célula” dos inconfidentes graças à sua localização estratégica: ficava próxima à Estrada Real, facilitando a comunicação entre os conjurados das cidades próximas, como São João Del Rey, Prados, São José Del Rey e a capital da província, Vila Rica. “Transformaram sua casa em ponto de encontro de outros descontentes. Ali compareciam os heróis da Inconfidência Mineira. Só não sabiam que, entre eles, um sobrinho por afinidade de Francisco Antônio, chamado Joaquim Silvério dos Reis, viria a ser um delator, um traidor, pois não lhe conheciam a falta de caráter”, diz o historiador Ronaldo Simões Coelho, no livro “Hipólita – A Mulher Inconfidente”.
Outro pesquisador, André Figueiredo Rodrigues, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autor do estudo “A Mulher na Inconfidência Mineira”, disseca o período dos acontecimentos de 1789. Segundo ele, as informações do período são escassas, mas dois episódios comprovam a participação efetiva de Hipólita.
O primeiro é uma carta escrita a Francisco Antônio, em maio de 1789, alertando que o líder Tiradentes e o traidor Joaquim Silvério dos Reis encontravam-se presos no Rio de Janeiro por causa dos planos da revolução, delatados por Silvério dos Reis ao governo português. “Na carta, ela pediu para o marido agir com cautela, mas sem se furtar ou esquecer de que ele fazia parte de um grupo de revoltosos que lutavam por ideais de melhoria das condições de vida e trabalho em Minas Gerais”, conta Rodrigues.
Outros inconfidentes também foram alertados por Hipólita para que procurassem proteção. Por meio do compadre Vitoriano Veloso, que morava em um povoado próximo chamado Bichinho, ela enviou uma mensagem ao Padre Carlos Correia de Toledo e Melo, vigário da Comarca do Rio das Mortes, um dos principais líderes dos inconfidentes.
“Dou-vos parte, com certeza, de que se acham presos, no Rio de Janeiro, Joaquim Silvério dos Reis e o alferes Tiradentes, para que vos sirva ou se ponham em cautela; e quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas; e mais vale morrer com honra que viver com desonra”, escreveu Hipólita.
No que dependesse da senhora pradense, a história do Brasil poderia, inclusive, ter tomado um rumo totalmente diferente. Vitoriano Veloso também levou, a mando da comadre, uma mensagem ao tenente-coronel Francisco de Paula Andrade, em Vila Rica, para que iniciasse o levante revolucionário imediatamente e organizasse uma reação em toda a região das Minas, a partir da cidade do Serro, próxima de Diamantina.
    Importante também foi o episódio que demonstra o envolvimento de Hipólita no fato de proibir o marido de entregar ao então governador de Minas, o Visconde de Barbacena, uma carta-denúncia delatando o movimento. A carta, que seria entregue pessoalmente por Francisco Antônio para tentar diminuir sua pena por participar da Conjuração Mineira, foi queimada por Hipólita, que também destruiu outros documentos que pudessem delatar os revolucionários.
Mesmo assim, ela tentou de tudo para salvar o marido, preso e enviado ao Rio de Janeiro junto com os outros inconfidentes. Durante o processo, mandou confeccionar um cacho de bananas de ouro maciço, em tamanho natural, ofertado à então rainha de Portugal, Dona Maria I, para obter o perdão do cônjuge. A oferenda, porém, jamais chegou ao destino, pois foi interceptada pelo Visconde de Barbacena. Preso, Francisco Antônio e os outros conjurados foram degredados para a África, onde morreram. Tiradentes foi o único a receber a pena de morte, e Vitoriano, que era negro e alfaiate, foi açoitado.
Apesar de os autos da devassa registrarem apenas o julgamento e as penas dos integrantes masculinos da conjuração, Hipólita sofreu os efeitos da derrota dos inconfidentes. Durante anos, lutou para reaver os seus bens, confiscados pela Coroa.
“Após a prisão dos inconfidentes e do início de repressão contra as famílias, dona Hipólita não escapou das punições impostas pela Coroa portuguesa”, diz Figueiredo Rodrigues. Acusada de participar do movimento, ela perdeu todos os bens. Inconformada, escreveu ao secretário do Ultramar, Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, em Lisboa, solicitando a restituição de boa parte do patrimônio sequestrado em Minas Gerais, alegando ser herança paterna.

Pintura dos inconfidentes presos, por Antônio Parreiras

Reconhecimento: Hipólita é a primeira mulher a ter uma lápide no Panteão dos Inconfidentes

O reconhecimento, ainda que tardio, pela participação de Hipólita na Inconfidência Mineira veio cerca de 230 anos depois do movimento. Em abril deste ano, ela se tornou a primeira mulher a ter uma lápide no Panteão dos Inconfidentes, em Ouro Preto.
Para o diretor do museu, Alex Malheiros, o machismo estrutural está naturalizado nas concepções de mundo. “A gente não sabe como foi a Hipólita, a gente só tem uma pintura feita em 1965 pela Selma Weismann, uma mulher. Em 1997, a então procuradora de Minas, a Cármem Lúcia [hoje ministra do STF], pediu ao governador Itamar Franco para fazer uma homenagem com uma Medalha da Inconfidência póstuma. Depois disso, com a descoberta de documentos pela Cármem, a professora Heloisa Starling começou a pesquisar a história dela. Mais recentemente, a cantora e compositora Zélia Duncan fez músicas sobre ela.
Essa homenagem foi um trabalho que durou décadas e foi basicamente feito por mulheres”, afirma o diretor do museu, Alex Malheiros.
“Os gregos falam que o esquecimento é pior que a morte. Ela sofreu talvez a repressão mais violenta, o protagonismo dela foi apagado. A luta mais difícil das mulheres é a luta política, até hoje, e ela fez isso no século 18. É claro que isso não aconteceu por acaso”, pontua Heloisa.
No Panteão, foi instalada uma lápide com o nome dela, mas não foram colocados os restos mortais de Hipólita, ninguém sabe onde foram sepultados.

O Panteão da Inconfidência (Foto: Museu da Inconfidência/Divulgação )