Artigo: O beijo da abelha

Por Wilson Liberato (De São Paulo/SP)

Artigo: O beijo da abelha
Wilson Liberato é escritor

[Neste mês de outubro meu artigo rogava à Senhora Aparecida bênçãos para os sofridos professores brasileiros. Mas ficou um texto tão irado contra os políticos que resolvi escrever sobre outro assunto.]

Há milhares de espécies de abelhas no mundo. No Brasil, cerca de 250. Dentre as dezenas que têm ferrão está nossa conhecida abelha do tipo europeia ou Europa.
Quem já foi picado por uma delas sabe a dor que a picada provoca, o inchaço que causa e a posterior coceira, quando o “veneno” está se disseminando. Para aliviar os sintomas, logo após a picada remova o ferrão e aplique gelo no local. Use creme anti-histamínico para reduzir o inchaço e a coceira infernal. Isso, se estiver no conforto de sua casa. Se estiver no mato, prepare-se para momentos de aflição e suadeira.
Passei a infância morando com meu avô materno – o ferroviário Galdino Dutra – homem forte, de compleição avantajada. Ele mantinha 3 ou 4 “caixas de abelha” no quintal, e me ensinou um pouco da vida nas colmeias. Era analfabeto e não sabia contar além do número 12 (as horas do relógio). Mas informava que numa colmeia havia tantas abelhas quanto as estrelas no céu (na real, de 5 a 10 mil operárias) e um número menor de zangões – o tanto de feijões que cabem em meio copo americano (cerca de 400). Um dia, com muito cuidado, ele me mostrou a rainha – uma abelhona, sempre cercada de guardiãs. Apontou alguns zangões – abelhões maiores e fortes. Explicou que eles eram respeitados pelas operárias, ficavam na colmeia numa boa, sem trabalhar e se lambuzando de mel. Sua única função era cobrir a rainha (acasalar-se com ela) mas, depois do namoro, a rainha cortava o piupiu dele no ato, e ele morria. Era por isso que ela tinha um monte de zangões à disposição. Isso me assustava bastante. Vai que um dia, quando eu ficasse moço...
Vô Galdino não era habilidoso para extrair mel das colmeias. Dava dó ver seus braços, sua careca, seu rosto e pescoço com bolhas de inchaço. Mas ele era forte e se aliviava aplicando álcool canforado nas lesões. Os anos passaram, meu avô se foi junto com suas abelhas; eu cresci, me mudei e me casei.
Certa feita, minha finada esposa Neusa manifestou a vontade de conhecer um apiário. Eu sabia de vários na região de Vinhedo, e a levei lá. Mês de outubro, sol de primavera; eu de bermuda e camiseta regata, dirigindo meu carango cor de sangue. Lá, ela aprendeu o que quis, comprou mel, favo de mel, e pegamos a estrada de volta. Janelas abertas, o vento da tarde, Eduardo Araújo cantando “meu carro é vermelho” e, de repente, senti uma picada violenta no meu pincel. Não foi nas extremidades. Foi bem no meio. Uma abelha Europa tinha pegado carona comigo, alojando-se desavergonhada em minhas partes subalternas. Deve ter sido uma rainha que me considerou seu zangão e quis me beijar em área nobre. Depois de se satisfazer, passeando de carro, quis me matar. Ordinária! O senhor talvez consiga imaginar a minha dor, mas a senhora não tem nem ideia do que sofri. Consegui parar desesperado no acostamento. A esposa, apavorada, pensou que eu estava tendo um ataque cardíaco ou uma crise renal.
Dirigi penosamente por 40km até chegar em casa. A patroa quis ver o estrago. Meu modesto estava febril, com a espessura quase de uma embalagem de detergente de cozinha. Esperando comiseração por parte dela, recebi como consolo um sorriso maroto e o comentário: 
– Ô, abelha abençoada!