Artigo: O formiguense ideal

Por Lúcia Helena Fiúza (de Palmas/TO)

Artigo: O formiguense ideal
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada

Quem nasceu na nossa querida Cidade das Areias Brancas não precisa de ir longe para ser um ser humano ideal para habitar o planeta Terra. Basta dar uma voltinha no quarteirão da memória para recolher um caminhão de excelentes exemplos.
O bom formiguense teria de ter a generosidade e o desprendimento do médico Afonso Henrique Braga, o Doutor Afonso. Quantas vezes meu pai, Seu Coló, o procurou de madrugada para que ele fosse até nossa casa por causa de uma simples febre. Ele morava ao lado da Matriz São Vicente Férrer e nós, na Rua Nova. Na hora de cobrar, não era nada. Como agrado, papai fazia questão de levar um franguinho e estava tudo certo.
Impecável na classe e educação era a senhora Dinah Silveira Castro, a Dona Dinah professora de inglês. Linda, alta e de uma simpatia admirável, era de uma elegância de confeitaria parisiense. Modelo clássico, se mostrava simples e amiga ao receber-nos, alunos desatentos, em sua morada, se bem me lembro na Rua Monsenhor João Ivo,  para explicar algum exercício que deixamos de copiar na aula. Nunca reclamou e ainda mandava acabar de chegar.
Para ter um porte de nobreza, o formiguense deveria ser esculpido com a postura da professora Maria Aparecida Costa Resende, a Dona Aparecida professora de português.  De voz mansa porém firme, era, como se poderia dizer, uma lady da sala de aula e uma conselheira atenta fora dela. Quantas vezes ela ouviu com interesse e cuidado as minhas angústias. Quantas saudades…
Altruísmo é o que se poderia copiar do Rubens Garcia Pereira, o Seu Rubens da Drogaria Santa Maria. Como dizia papai, um homem sem defeito. Em alguns momentos difíceis de nossa família, era só buscar o remédio e mandar anotar. Nunca mandava a conta. Lembro-me de uma vez que fui incumbida de pagar o que devíamos e ele ainda deu desconto.
O formiguense de gabarito também deveria ter a visão humana do senhor José Simões de Oliveira, que para nós era o Seu Zu da Venda. Ele tinha um armazém de secos e molhados na Rua Treze de Maio e era nossa garantia de mesa sortida. Lembro-me que em seu estabelecimento tudo era para pagar depois. Víamos nele, o máximo de bondade e compreensão.
A honra do formiguense melhor do mundo deveria vir do Seu Divino do Bairro Alvorada. Não me recordo de seu nome completo, mas sei que era o pai de dois craques do FEC, o Zé Carlos e o Otacílio. Seu Divino foi de uma grandeza com nossa família que jamais esquecemos. Certa feita, mamãe teve um mal súbito em um sol escaldante de janeiro na Rua Pio XII. Ele a carregou para dentro do escritório da fábrica de pregos Ciclope, do Pascoalino Natali, e não saiu de seu lado até meu pai chegar em seu fusquinha azul 1968.    
Do torneiro Afonso Garcia Leão, não se poderia dispensar a inteligência e criatividade. Para papai, para Deus e todo mundo, era um verdadeiro gênio. Ninguém se cansava de lembrar que vários torneiros mecânicos da Rede Ferroviária vieram em vão a Formiga tentar consertar uma máquina que facilitava o desengate de vagões. Chamado, Seu Afonso inventou um mecanismo muito mais eficiente que passou a ser usado em todas as estações de todos os lugares.
Dignidade, determinação e honra podem ter como paradigma a personalidade da advogada Laura Guedes Faria. Ela morava em um majestoso casarão colonial ao lado da Matriz e era sempre citada por meus pais quando alguém perguntava qual o futuro de sucesso que queria para suas filhas. Uma mulher impecável em tudo que fazia, era amiga de mamãe e sempre que nos via subindo pra casa, mandava lembranças.
Exemplos de trabalho e honestidade, em Formiga há muitos. Pode-se pegar de olhos fechados em uma prateleira. Se vier como ingrediente um Élio de Paula, um Renato Ribeiro Campos, um Luiz Rodrigues da Costa, o Seu Luiz da Fidalga, ou Paulo Gonçalves Lima, o Seu Paulo Pemba, o formiguense estará no topo do topo.
Extroversão e graça também são fundamentais. O formiguense de fazer inveja deveria ter o humor infinito do Seu Tilinho, um bombeiro de construção civil que morava em uma pracinha logo abaixo do Cemitério do Rosário. Ele era ótimo. Não sei porque, fingia de não gostar de ser chamado de “Seu João” (acho que era o seu nome). Quando papai passava por ele, gritava em voz alta: “Ô, seu João!”, e ele na hora: “Ô, fedaputão!”. Quase morríamos de rir. Vi
Não há dúvidas de que idealizar um ser humano perfeito é mais fácil para o formiguense. Não sei em toda cidade há tanta gente boa.