Artigo: O presente de Natal

Por Wilson Liberato (De São Paulo/SP)

Artigo: O presente  de Natal
Wilson Liberato é escritor

Presentear bem é uma arte. Dar um bom presente de Natal, então, nem sempre é tarefa fácil. Envolve aspectos psicológicos de observação e relacionamento com o presenteado. Há quem se contente com um singelo buquê de flores do campo ou de charmosas rosas colombianas. Há quem odeie. Há quem fique feliz com um protetor solar ou com uma colônia pós-barba. Há quem torça o nariz. Há quem goste de um eletrodoméstico (ah, ainda a air-fryer!) ou de uma ferramenta (ah, a furadeira bi-volt!). Há quem deteste. Quem odeia agradece por educação, mas continua odiando. Ou seja: há presentes inúteis. Bom mesmo é quando a pessoa a ser presenteada sugere o que deseja. Ou será que não?
Certa vez, perguntei à minha finada mãe o que ela gostaria de ganhar como presente de Natal. Podia pedir o que quisesse, pois era digna de merecimento. Ela então desfrutava do vigor dos seus cinquenta e tantos anos. Após fazer charminho, dizendo que não queria causar despesas etcetera e tal, decidiu abrir o jogo. “Posso mesmo pedir o que eu quiser?” “Sim, mãe”, respondemos eu e meu irmão William, ambos residindo em São Paulo. 
O pedido foi inusitado e em dose cavalar, mas promessa é dívida. Ela queria que patrocinássemos uma viagem de um mês à capital paulista para ela e os 4 filhos menores de idade.  Era para conhecerem a cidade, visitarem o zoológico e irem a uma praia de Santos. Queria conhecer algumas igrejas, fazer check up na saúde e um tratamento dentário. (‘Vocês não dizem que em São Paulo tem de tudo?’) Ah, e queria também consultar um oftalmologista, mas talvez desistisse dessa consulta. (Nunca tinha usado óculos e temia ter que usá-los, por ser muito estabanada: os óculos logo iriam cair, quebrar ou ter as lentes arranhadas. ‘Vai ser dinheiro jogado fora’.) 
A gente se desdobrou para cumprir a promessa dos presentes de Natal, com o apoio de nossas gentis esposas. Conseguimos satisfazer seus desejos, uma vez que em São Paulo as coisas acontecem a jato. Deu tudo certo e no tempo previsto. Com o oftalmologista a consulta demorou porque ao ser informada que tinha miopia e estrabismo ela ficou muito agitada e assustada. Depois, fomos à ótica para encomendar os óculos e levá-los para o OK do médico.
Eu e o mano – um rapaz sempre crítico e mordaz, dono de uma sinceridade ímpar – fomos à melhor ótica, situada à Rua Direita, para aviar a receita. O solícito atendente nos explicou que as lentes eram de primeira qualidade, não arranhavam nem quebravam. A armação também era flexível, embora exigisse cuidados. Tudo top de linha. Foi aí que eu quis contra- argumentar, procurando ser o mais precavido possível: “Senhor, a pessoa que vai usar esses óculos não é muito cuidadosa. E se ela se assentar sobre eles?”
Meu irmão, a quem não perdoo até hoje, falou alto e bom som para a loja inteira ouvir:
– Mano! Os óculos são para os olhos da cara e não do...
Foi a parte aborrecida do meu presente. Também, quem manda? Minha mãe acabou não usando o custoso presente. Aos 93 anos, sem óculos, ainda lia regularmente o diário O Pergaminho e comentava as notícias formiguenses...