Carlos Donizetti Ferreira da Silva (Carlão) Juiz de Direito
Se alguém perguntar quem gosta mais de Formiga do que Carlos Donizetti Ferreira da Silva, o Carlão, facilmente alguém vai dizer: Há alguém que gosta mais do Carlão do que Formiga inteira? Ele é uma pessoa que coleciona adjetivos que o enobrecem e que enche a família de orgulho.
Carlão é filho mais velho do Seu José Ferreira da Silva e de Dona Regina Rodrigues Silva. É casado com a Servidora Pública Federal Ana Cristina Valadão Silva. Tem dois filhos advogados, Carlos Augusto e Ana Flávia, além da Servidora Pública Estadual Ana Paula.
Nascido em 1958, Carlão é um acumulador de vitórias. Foi a auxiliar de escritório, técnico em contabilidade com formação “no saudoso Colégio Antônio Vieira” trabalhando na área por mais de 15 anos. Formado em Direito, trabalhou como advogado por vários anos até ingressar na magistratura. Atualmente, ele ainda está em atividade em Belo Horizonte. Fala com orgulho de sua infância: “Fiz o ensino primário na Escola Estadual Aureliano Rodrigues Nunes e o secundário na Escola Normal de Formiga, hoje, Escola Estadual Jalcira Santos Valadão.
No esporte, foi exemplo: “Desde cedo, sempre joguei futebol nos campinhos próximos à minha casa no Quinzinho. Joguei no Nacional, no time do Roberval e depois fui para o Vila, fiz parte do juvenil do Zé Nego e do Prego, foi nessa época que descobri a posição de goleiro, jogando em todos os clubes por onde passei. Nos anos de 1976 e 1977, defendi as cores do Clube Atlético Mineiro, ali participando inicialmente do infanto-juvenil e, posteriormente, do juvenil.
Tive ainda a oportunidade de jogar por vários clubes da região”.
E mais: “Acredito que sou quem mais disputou o clássico Vila e o Formiga. Somente em 1985, foram cinco partidas. Participei ainda de inúmeros torneios municipais e regionais de futebol de salão, que eram comuns na época, com uma profusão de excelentes jogadores”.
No Carnaval, Carlão foi folião do esquenta à apoteose. “Entrei para a Escola de Samba Unidos do Quinzinho a convite de meu querido compadre Fernandinho da Galera. Foram vários desfiles, que ficaram gravados e marcados em minha memória e de todo o povo formiguense, pois era um espetáculo incontestável.
Carlão também esteve em movimentos da Igreja Católica. “Participei da Pastoral da Juventude, com várias atividades sociais e religiosas, como também participamos do movimento Shalom. A partir daí, diante de uma consciência crítica e o momento político vivenciado pelo país, criamos em Formiga o Partido dos Trabalhadores, quando então tivemos a primeira participação na política partidária nas eleições de 1982. A semente foi lançada, os jovens foram se engajando e tive minha primeira eleição em 1988, quando me elegi vice-prefeito com o amigo e ex-prefeito Jaime Mendonça. Também fui procurador do município durante o primeiro mandato Juarez Carvalho, de 1993 a 1996, quando foi candidato a prefeito, porém, o eleito foi Eduardo Brás. Em 1999, Carlão foi aprovado no concurso da magistratura, tomando posse no ano 2000.
“a par” - O que dá mais emoção, defender as cores do Vila Esporte Clube, o Leão do
Oeste, no Estádio João Francisco de Paula, ou o Clube Atlético Mineiro, o Galão da Massa, no Mineirão?
Carlão - O futebol sempre foi minha paixão, mas são duas situações distintas. Com relação ao Atlético Mineiro, quando convidado para integrar as categorias de base, tinha como objetivo uma futura profissão. Dediquei-me sempre e tive grande alegrias e emoções, especialmente nos jogos que fizemos com presença de grandes públicos, contudo, nada se compara com a emoção vivida defendendo as cores do Vila, nosso Leão do Oeste, especialmente nos grandes jogos que disputamos contra o Formiga e equipes de destaques nos campeonatos municipais e regionais. O fato de residir no bairro do Quinzinho, casa do Vila, com convívio diário com os torcedores, sempre foi um motivador. Foram muitos anos de intensas alegrias, também algumas tristezas, contudo nos momentos ruins, a torcida era um bálsamo a nos acalentar, aplacar a dor de uma derrota ou mesmo de uma contusão.
A saudade bate forte, quando relembro esses momentos.
“a par” - Jogos entre o Vila e o Formiga foram motivo de comemorações e animosidades durante a história. Há anos os times não disputam um mesmo torneio e quem tem por volta de 30 anos nunca teve o prazer de assistir a uma partida entre as equipes. Você acha que ainda existe rivalidade?
Carlão - Tenho certeza que existe e jamais deixará de existir. Trata-se de uma situação enraizada na própria história da cidade e dos clubes. Uma pena que os mais jovens não puderam viver esses momentos. Pena que muitos não puderam presenciar os grandes jogos entre Vila e Formiga no ano de 1977, quando houve a quebra do ‘tabu’, pois até então o Vila nunca havia ganho um jogo do Formiga. Também é preciso frisar, a grande safra de excelentes jogadores que sempre se destacaram nos planteis, tanto do Vila como do Formiga. Foi um tempo diferente.
Sem saudosismo, mas uma constatação, a grande diversão nas semanas de jogos do Vila e do Formiga, era ir ao campo assistir os treinos diários e nos finais de semana, aos estádios.
“a par” - Como você vê a situação do futebol e de outros esportes em Formiga hoje?
Carlão - Não estado por dentro de todos os acontecimentos esportivos de nossa terra. Mesmo à distância, percebo que Formiga não é mais destaque na região, seja com relação ao futebol, futsal, vôlei, basquete ou outros esportes. Tenho notícias de escolinhas de futebol, que às vezes conseguem revelar jogadores, encaminhando-os para testes nos clubes da capital. Mas é preciso admitir, isso não é suficiente. É preciso um esforço coletivo para retomar os campeonatos municipais e até regionais. É preciso retirar nossa população da poltrona do comodismo, convencendo-os a deixar o controle remoto por um momento de lazer nas quadras e nos campos.
“a par” - Você é considerado personagem de “propriedade” do Bairro do Quinzinho. Por que quem é do Quinzinho tem tanto orgulho de sua comunidade?
Carlão - Na minha época de criança, Formiga era dividida e conhecida por seus bairros. Tenho um grande orgulho e alegria de ter nascido, crescido e ter raízes no Quinzinho. Até hoje, ali permanecem minha mãe, meu irmão, minha casa, a casa onde nasci. Isso não tem preço. É preciso entender que a situação geográfica da cidade mudou muito. Vários bairros foram criados, novas avenidas foram abertas interligando toda a cidade. Mas o certo é que os bairros tradicionais de antes, continuam a ser lembrados e, às vezes, até com certa rivalidade. Havia disputas que ocorriam do “Bairro contra Bairro” com várias modalidades de disputas. Pois é, o Quinzinho foi o grande vencedor. Os moradores do Quinzinho, sempre participaram da vida do Vila, da Escola de Samba e sempre exultaram suas personalidades.
Então esse amor ao bairro, nasce com o indivíduo e não acaba nem com sua morte.
“a par” - Como foi sua infância no bairro? Ainda mantém muitas amizades?
Carlão - Minha Infância foi a mais feliz que uma criança pode desejar. Desde cedo, estudei na escolinha da Dona Naná, que ficava na antiga Charqueada, o que seria hoje uma espécie de pré-primário. Depois uma experiência que muito valorizo, o primário no Grupo Aureliano, que chamávamos Grupo de Lata, hoje Escola Estadual Aureliano Rodrigues Nunes. Que saudade de minhas professoras… Desde cedo, tive minhas tarefas domésticas, como cuidar das vacas, porcos, limpar chiqueiros, tirar leite…
Também tinha como tarefa, após o almoço, a venda doces da Dona Maria do Martinho nas construções. No horário do café, vendia pasteis, nas mesmas construções. À tarde, após concluídas essas tarefas, era difícil me achar, sempre estava num campinho na beira dos rios, jogando futebol, à noite, reunido com a meninada, brincava na rua até as mães chamarem e puxarem as orelhas. Foi uma infância muito feliz e cheia de realizações da qual me orgulho, formou-me para a vida.
“a par” - E a escola de samba Unidos do Quinzinho, como eram os desfiles?
Carlão - Comecei na Escola de Samba quando as cores ainda eram Verde e Rosa. A nossa Esuq foi um ponto de união entre os moradores e mesmo aqueles que vinham de outros bairros para participar, desfilando, sentiam-se parte do Quinzinho
“a par” - Os grandes desfiles de escolas de samba em Formiga terminaram em 1989. Você acha que há a possibilidade de eles voltarem?
Carlão - Foi um tempo inesquecível, grandes desfiles e meses de muito ensaio, com trabalhos diuturnos de confecção de fantasias e carros alegóricos. Infelizmente, não vejo hoje a possibilidade de retorno dos desfiles conforme vivemos, os tempos são outros. A própria população de Formiga não mais permanece na cidade nos dias de festejos carnavalescos.
Inclusive, nem os bailes do Clube Centenário na sua sede urbana conseguiram sobreviver às mudanças de comportamento da população.
Assim, sou pessimista com relação a possibilidade de retomada do Carnaval em nossa cidade conforme já vivemos. Mas Seria um sonho.
“a par” - Por uma questão de ter se tornado juiz de Direito, você teve de se afastar da política. A qualquer momento, você deve se aposentar. Você pensa em voltar para a política?
Carlão - Essa é uma pergunta que recebo que certa frequência. Estou fora de Formiga há 24 anos. A nova geração não vivenciou ou teve contato com aquele momento político que vivi ou mesmo se recorda das eleições que disputei. Hoje já reúno os requisitos para me aposentar, por certo esse momento se aproxima. Me posentando, penso sim em voltar para Formiga, contudo, tenho atividades também em Belo Horizonte e meus filhos ali trabalham e residem. Quanto a participar da vida política de Formiga, só o futuro poderá dizer, pois talvez não tenha mais espaço no cenário, que hoje está desenhado com outros personagens.
“a par” - Antigamente, há quem diga, havia poesia no exercício da política. Como você vê a polarização que tomou o país nos últimos anos?
Carlão - Particularmente entendo que esta polarização é extremamente perniciosa para o país, atingindo estados e municípios. A política do ‘ou você é de um ou de outro’ não permite o debate sadio, a exposição de idéias e projetos. Todas as discussões se limitam a discutir em torno da vida daqueles que compõem o núcleo desta polarização. É preciso superar este momento. Os problemas e dilemas dos municípios estão muito acima das querelas bairristas de Brasília. As comunidades e seus moradores possuem interesse direto no desenvolvimento de sua cidade, na melhoria da qualidade de vida, com amplo acesso à saúde, alimentação, salários dignos, emprego e ocupação para todos.
“a par” - Há sempre notícias de amigos e até de parentes que terminaram as relações e se tornaram ferrenhos inimigos por causa da política. Há como reverter o clima, há como isso tudo o que está acontecendo passar?
Carlão - Num momento de redes sociais acima de tudo, o que vimos num passado recente, foram amigos e parentes se digladiando por causa deste ou daquele candidato. Em primeiro lugar, devo frisar que a, meu sentir, o grande problema foi a falta de respeito com a opinião contrária. Além, claro, de posições absurdas e atitudes que beiravam o desvario. Fui Diretor do Foro Eleitoral da Comarca de Belo Horizonte durante todo o período das eleições de 2022. Tenho que confessar que foi uma das atribuições árduas que enfrentei em minha carreira. Vivenciamos diuturnamente embates sem qualquer embasamento legal, com disseminação de notícias falsas que buscavam atacar candidados de diferentes partidos, além, claro, a Justiça Eleitoral. Durante o período, presenciamos o dilaceramento de amizades e relacionamentos de longa data, creio que até podem ser reconstituídos, mas dependerá de maturidade das partes para aceitar o contrário e respeitar a opinião alheia.
“a par” - Você também sempre foi muito religioso. Como você analisa a questão de a religião ser usada como bandeira política?
Carlão - Essa é uma pergunta complexa. A “religião” não pode ser usada como bandeira política. O que sempre pregamos, desde os tempos de movimentos na Igreja Católica, junto à Pastoral da Juventude, foi a conscientização dos nossos jovens, que através da evangelização se envolvessem numa ação transformadora da vida daqueles que não tinham voz e nem vez. Não pactuo da idéia de que qualquer religião possa ser transformada em partido político ou palanque de candidato.
“a par” - Assuntos que sempre premiam discussões políticas são o casamento entre pessoas do mesmo sexo, liberação do uso de drogas e aborto. Qual a sua opinião sobre cada um dos temas?
Carlão - Esses são debates que estão colocados não somente nas rodas políticas, eles fazem parte dos debates de toda nossa sociedade. Entendo isso como salutar. O debate sadio sempre faz crescer. Com relação ao casamento de pessoas do mesmo sexo, entendo que é uma questão definida e regulada por legislação específica, com a qual concordo e defendo o direito a felicidade e escolha dos indivíduos.
Com relação a “liberação do uso de drogas”, tenho para mim que esse debate está sendo travado tanto no Parlamento, como no Supremo Tribunal Federal.
É preciso frisar que o STF não está julgando a liberação do uso de drogas, mas disciplinando o que seria descriminalizado com relação à quantidade de posse pelo usuário.
Temos que entender que esse debate é social. Não podemos confundir o usuário com o traficante. Se você for num local, como a cracolândia em São Paulo, vai entender o que estou dizendo. O usuário, a partir de um certo momento, não possui mais discernimento para decidir o que é certo ou errado. Ele precisa urgente de tratamento médico ( internação compulsória) e infelizmente em muitos casos, o Estado vem falhando em seu mister.
Com relação ao aborto, por princípios religiosos, sou contra. A vida deve ser preservada. Tive a oportunidade de participar de debates sobre o assunto, entendo e respeito os lados e aspectos colocados, somente em casos específicos e sob recomendação médica, a meu sentir é possível admitir a interrupção da gravidez.
“a par” - Disse o poeta português Fernando Pessoa: “Não há alegria tamanha como encontrar patrício em terra estranha”. Você encontrou muitos formiguenses em suas andanças?
Carlão - Sem dúvida, Fernando Pessoa resumiu a alegria que sentimos sempre que encontramos conterrâneos ou amigos em terras distantes. Tive a oportunidade de encontrar formiguenses em todos os lugares que fui. Nas comarcas que trabalhei, sempre encontrei pessoas, famílias de Formiga das quais me aproximei e estreitamentos relação. É uma alegria imensa partilhar com nossos conterrâneos a saudade de nossa terra querida.
“a par” - Aposentando, você volta para Formiga? Você sente muita saudade da cidade?
Carlão - Como disse antes, aposentando pretendo voltar para Formiga, sem contudo abandonar a vida que construi em Belo Horizonte, pois ali residem meus filhos, já casados e estabelecidos profissionalmente. Formiga faz parte da minha vida. Desde que sai dessa terra querida, a saudade sempre bate forte. Retorno sempre, pois aqui reside minha mãe e meu irmão, além de meus cunhados, sobrinhos, compadres, afilhados e grandes amigos. Tenho propriedade aqui, sempre mantive aqui o pequeno patrimônio que conquistei ao longo dos anos. O carinho que recebo dos amigos e conterrâneos que encontro quando estou em Formiga, seja nas ruas, no supermercado, nos botecos ou na Igreja, reacende sempre o desejo de voltar, de participar da vida da cidade.