Joe Bazilio Costa

Joe Bazilio Costa
Joe Bazilio

Dos palcos à multimídia, Joe Bazilio Costa, 65 anos, é desses artistas que trazem a bagagem de um histórico de vida familiar ligado à música de excelente qualidade, bem como repartimentos para as transformações tecnológicas pelas quais passa a sociedade contemporânea.
Adepto e divulgador da doutrina espírita em Formiga, ele faz dos seus momentos mais sensíveis os principais ingredientes para uma vida tranquila de trabalho e fé.
Filho de José Batista Costa e de Jurema Bazilio Costa, é separado e pai de quatro filhos. À reportagem, ele falou sobre detalhes de sua vida que poucos formiguenses conhecem.

“a par”: Como e quando você se interessou pela música? 
Joe Bazilio: Tem uma história. Eu nasci numa família musical. Meu pai cantava em São Paulo com um trio vocal chamado Irakitan. Eu cresci ouvindo meus tios e primos cantando. Minha mãe também adorava música e cantava muito bem, pena que não seguiu a carreira. Certa época, meu pai foi trabalhar em uma gravadora Chantecler, então, ele trazia os discos lançados pra casa.

“a par”: Qual a verdadeira importância da música em sua vida?
Joe Bazilio: Cresci ouvindo “The Platters”, “Mamas and Papas”, “Johnny Mathis”, “Nat King Cole” “Bienvenido Granda” e por aí vai. No bairro onde morávamos em São Paulo, Interlagos, havia um senhor chamado Urias, amigo do meu pai, que fazia umas rodas de música no quintal, aos domingos. Eu subia no muro e ficava apreciando, embevecido, aquele som maravilhoso prestando muita atenção nos dedos do senhor Urias e nos do meu pai quando tocavam. Certa vez, perguntei ao senhor Urias de quem era aquele violão que ele tocava e ele me respondeu que recebeu de uma dívida. Pedi pra que ele me emprestasse pois estava querendo aprender e ele me atendeu prontamente. Fui pra casa rejubilante… comecei a aprender os primeiros acordes sentado no muro durante as domingueiras. Depois, pedi pro meu pai me ensinar, mas ele não teve paciência suficiente. Então, tive que continuar a treinar sozinho para poder tocar as primeiras músicas das “paradas de sucesso”. Decorei duas: “Tijolinho”, de Bobby de Carlos, e uma mais difícil: Theme for young lovers, do “The Shadows”.

“a par”: E aí…
Joe Bazilio: Logo em seguida, me aventurei a tocar publicamente, me apresentado na “sede cultural” do bairro, nas matinês de domingo. O guitarrista do “conjunto” que acompanhava os calouros me emprestou a guitarra para apresentação. Muito nervoso e tímido consegui cantar o “Tijolinho” até o fim e foi um sucesso… Foi esse o meu começo…

“a par”: E depois?
Joe Bazilio: Logo após começar a tocar todos os domingos na sede, meu tio [Nonô Bazilio] me chamou para gravar violão com ele nos discos da dupla Nonô e Naná, que ele fazia com minha tia, e assim fiz. Foi então que no meu bairro veio morar um negro muito simpático que tocava bateria e me chamou para montarmos um grupo. O problema era que éramos três violões e uma bateria, faltava o baixo. Aí, decidi que eu seria o baixista. Como não tinha baixo, enchi as paciências da minha mãe pra comprar um, e como eu era super aplicado na escola, ela fez um sacrifício e fomos na Eletroradiobras e ganhei o instrumento.

“a par”: E tudo ficou mais fácil?
Joe Bazilio: Começamos assim o “The Jet Sound”, nosso conjunto, cuja carreira meteórica na zona sul de São Paulo, abrilhantou muitos bailes e matinês. Nós decoramos três discos do “Credence” e algumas músicas românticas. Numa dessas apresentações, o empresário do cantor Jerry Adriano estava no salão e me chamou pra fazer um show com ele no Parque da Água Branca, em São Paulo. Topei na hora. Lembro-me que estava muito nervoso, pois era um artista de verdade que ia acompanhar. Os músicos que tocavam com ele chegaram com umas roupas transadas e eu com minha roupinha de pobre...fiquei bem acanhado...os caras muito mais velhos que eu (eu tinha de 14 para 15 anos). Me passaram rapidamente os tons e entramos pro palco na hora marcada, coração saindo pela boca. Depois da primeira música, entrei no clima e foi tudo ótimo. 

“a par”: Fale de outros artistas com os quais você tocou.
Joe Bazilio: Nessa época, fui convidado pra fazer um teste com Vanderley Cardoso, no Teatro Franco Zampari. Deu certo e junto com um baterista de Alfenas, chamado Batata, fizemos uma temporada no teatro com ele. 

“a par”: Houve quem lhe ajudasse?
Joe Bazilio: Mergulhei no mundo artístico através de uma outra amiga artista de teatro e TV, ela fazia comerciais e também cantava: Deivi Rose. Fizemos uma boa temporada no Banespa. Também fiz um importante trabalho com Rago Filho, violonista, no Teatro Paulo Eiró, no Bairro Santo Amaro. Depois de um tempo, comecei a tocar na noite e pude acompanhar vários artistas em diversas casas noturnas. Aí, um percussionista me propôs montarmos um grupo. Topei, é claro,  e chamei meu primo Odilon, filho de Nonô e Naná. Junto com o violonista, Luisinho de Paraibuna, e o timbista Geraldo, de S. José do Rio Preto, formamos o Cheiro da Terra e ficamos quatro anos seguidos nos apresentando em várias cidades do estado de São Paulo. Tivemos o prazer de estarmos junto de Pena Branca e Xavantinho, Renato Teixeira e Téo Azevedo. 

“a par”: E gravações?
Joe Bazilio: Acabamos gravando um LP pela Chantecler com produção de Moacir Machado, que nos fez o convite.  O disco ficou lindo, mas, infelizmente, logo após o lançamento e termos começado a viajar pelo Brasil para divulgação, o projeto da secretaria de cultura de São Paulo, que nos apoiava, acabou, porque trocaram a secretária. Toda a classe popular foi demitida ficando apenas as orquestras. Então a gravadora também perdeu o interesse e ficamos sem espaço. Ainda toquei com Sergey, Sérgio Sá, Rosa Maria, Zé Keti, Noite Ilustrada, Kid Vinil, Carlos César e Cristiano, Antônio Borba e vários outros.

“a par”: Depois você veio para Formiga…
Joe Bazilio: Pois é… depois de algum tempo, já havia me casado, vim morar em Formiga. Continuei indo a São Paulo para fazer acompanhamento em shows, até que um dia, meu primo Odilon me chamou para uma entrevista com a a cantora Sula Miranda. Voltei de São Paulo e convidei o Alex Arouca e o Claudinho Baterista (ambos ex-Face Nova) e começamos uma família que durou cinco anos de estrada pelo Brasil afora. Quando terminei a temporada com a Sula, vendi meus instrumentos e abandonei de vez a música profissionalmente.

“a par”: Mas você ainda tocou em Formiga…
Joe Bazilio: Não sou muito bom em cronologia e como tive contato com  muitas outras artes, fiquei uma época em Formiga e ainda fiz apresentações, como as primeiras e memoráveis Festas Bregas. Também houveram Feiras da Paz, Conjunto Centenário, banda Opus Show, de Passos, … 

“a par”: Como você vê a música hoje em Formiga?
Joe Bazilio: Vejo que houve um ganho técnico enorme. Temos músicos excepcionais com grande potencial para deslanchar, mas sinto que eles têm medo de sair e se aventurar como eu fiz. Antigamente, tínhamos bons músicos também, o Remaclo Silva, o Ari Rogers, o Toninho, do Conjunto Centenário, o Corujinha Preto, o Maurício e o Amaro. Isso sem falar no pessoal do “Seu Manel da banda” além de vários outros. Hoje temos muitos expoentes, mas não citarei nomes por medo de esquecer algum. Além disso, temos compositores muito bons, intérpretes e instrumentistas que não deixam nada a desejar pra galera do show bizz.

“a par”: E os festivais de música? Você chegou a participar?
Joe Bazilio: Eu quando estava em São Paulo, depois que montei a primeira banda, participei e ganhei diversos festivais de música. Aqui em Minas, participei de muitos, como músico,  principalmente em Passos e Formiga. Ganhei apenas três em Minas, em Formiga, Passos e outro em Iguatama. Já participações em gravações foram inúmeras. Além do Cheiro da Terra, Nonô e Naná, Gê Maria, Zé Côco do Riachão, Téo Azevedo, Antônio Borba, Pena Branca e Xavantinho, Deivi Rose e Rosa Maria. Muito bacana também foi gravar o disco do meu querido amigo Escurinho, no estúdio das Irmãs Paulinas em São Paulo, junto com meu irmão Jaime e alguns artistas de Formiga.

“a par”: A chamada música comercial tem sido muito criticada no Brasil pela falta de qualidade…
Joe Bazilio: Não sou capaz de julgar com propriedade, porque sou bem voltado pra música de qualidade. Quando digo isso, falo do jazz, da bossa nova, do blues… Tenho observado desde muitos anos a chamada música “sabonete”, aquela que se gasta em pouco tempo. Não tem qualidade musical, não tem letra, não tem harmonia, mas tem uma batida que mexe com a cabeça das massas, que não se ligam em poesia… Eu sou da época em que se ouvia dez, quinze músicas de qualidade nas paradas...então, vendo, hoje, o chamado “cenário”, não consigo vislumbrar nada que me chame a atenção, são pouquíssimas as exceções. 

“a par”: E coisas como o funk?
Joe Bazilio: Sou aberto a diversos grupos, o funk verdadeiro, americano, com aquela suingueira danada de metais, o hip hop, o sertanejo raiz, as bandas de rock clássicas, rock pesado com bons riffs, enfim, não tem cenário que não consiga destacar coisas boas, só não me peçam pra escutar a “música” de baixíssimo teor, que degrada o ser humano, rebaixando aos instintos animais mais primitivos, onde se fala de todo tipo de orgia e desvalorização, principalmente das mulheres.

“a par”: Qual a sua opinião sobre o futuro de quem vive de apresentações em bares, clubes e casas noturnas, levando-se em conta que em muitos locais estão substituindo os músicos e cantores por gravações e playbacks?
Joe Bazilio: Difícil pergunta. Acho que o futuro, do jeito que vislumbro, será um cenário onde não mais teremos música ao vivo como a conhecemos...assim como na minha área de artes plásticas, a inteligência artificial chegou para ficar, ( mas não para substituir) vejo que na música e na literatura está acontecendo o mesmo. Não mais seremos poetas, compositores, pintores, mas teremos habilidades para formular prompts que gerarão as futuras letras, os futuros sons, as futuras ilustrações e pinturas. Então, resumindo, seremos operadores de prompts, textos que informam à inteligência artificial o que queremos para que ela produza pra nós, e seremos muito bons produzindo belas obras, ou operadores medíocres, produzindo como hoje, lixo artístico.

“a par”: Quem está fazendo boa música hoje no Brasil?
Joe Bazilio: Artistas autorais, principalmente do underground, que  está muito rico, pena que não têm destaque nas mídias. Hoje, somos sufocados por músicas de bebida, sexo e farra quase que 24 horas por dia. Noutro dia, eu falei com uma amiga do trabalho que ia colocar um Djavan pra tocar e ela me perguntou o que era isso... pode? A maioria das pessoas não conhece. Eu tenho curtido  AnaVitória, Gilsons, Jorge Vercilio, Seu Jorge, Criolo, Luedji Luna, Liniker, Outro Eu, Silva, Maria Sena, Bala Desejo e alguns outros...como disse, sou eclético e ouço de tudo...o Brasil é um celeiro de ritmos, sons, influências, harmonias...basta garimpar que vamos descobrir coisas muito lindas sendo produzidas.

“a par”: Além de músico, você também é conhecido como um expoente da doutrina espírita em Formiga. O que você responde para quem lhe pergunta se Deus existe?
Joe Bazilio: Primeiro não sou expoente coisa nenhuma. Sou apenas um espírita esforçado que luta para dominar as más inclinações. Digo sempre a mesma coisa: basta olhar o céu, as estrelas, o sol, o mar, as flores, os animais, e para a própria pessoa...pra saber que não é obra do homem. Alguém criou isso tudo e não fui eu nem você...então chame do que quiser, Deus, Força Cósmica, Energia Universal...mas vamos chegar a conclusão que sim, existe.


“a par”: Recentemente, faleceu o mais conhecido espírita da região, o Seu Anésio Alfaiate com 102 anos. Dá para mensurar a perda?
Joe Bazilio: Falar do Seu Anésio é falar de bondade com firmeza, de paciência, de carinho com as pessoas, é falar de desprendimento, de caridade e todas as virtudes maiores que uma pessoa pode adquirir. Foi o amigo que me deu a mão assim que cheguei a Formiga. Me ensinou serigrafia, foi meu mentor no desenvolvimento da minha mediunidade, foi meu companheiro nas campanhas do Kilo, nas visitas aos pobres e doentes...uma perda inestimável. Ele sim, o baluarte maior do espiritismo de Formiga e região, foi o grande formador de consciências pacíficas e produtivas.

“a par”: Há um folclore que diz que alguns espíritas não revelam que professam a doutrina temendo preconceito. Isso ainda existe?
Joe Bazilio: Realmente é um folclore. Ultimamente, tem se tornado, infelizmente, chique dizer-se espírita. O espiritismo é algo tão simples que alguns adeptos querem adorna-lo para parecer importante. Sim, o movimento espírita (diferente do espiritismo) anda meio doente, novidadeiro, querendo ser visto, notado. Deveríamos seguir o exemplo do expoente da doutrina, Chico Xavier, que mesmo sendo quem foi, um dos homens mais importantes desse século, desencarnou simples e humilde, finalizando, assim, com glórias, sua passagem atual pelo planeta.

“a par”: Quantos você acredita que são os espíritas kardecistas hoje em Formiga? 
Joe Bazilio: Difícil dizer. É o mesmo que perguntar quantos evangélicos ou católicos. Temos o Centro Lázaro, o mais antigo, o Amigos de Jesus, o Tio Fonsinho, o Irmão José, o Francisco de Assis, o Cearc- Centro espírita Anésio Ribeiro de Camargos, Lar da Fraternidade e 18 de Abril...

“a par”: Há pessoas que, por ignorância, não sabem que os kardecistas são cristãos…
Joe Bazilio: Sim, isso é verdade. Confundem com as religiões afrodescendentes, basicamente, umbanda e candomblé. Somente frequentando as casas espíritas, as pessoas poderão conhecer a filosofia por trás da religião. Jesus é nosso mestre maior e a caridade nosso lema de vida. Fora isso, qualquer outra ideia diferente não pertence à doutrina, que, como já disse, é exageradamente simples. Fora da caridade não há salvação.

“a par”: Quem morre pode mesmo ter contato com os vivos?
Joe Bazilio: Sim. Em certas circunstâncias pode haver o contato dos vivos com os que deixaram o corpo material. É uma via de mão dupla, que, em alguma circunstância especial, ou através da chamada mediunidade, poderá haver intercâmbio entre desencarnados em forma de visão, fala, audição, toque físico,etc. Cada uma dessas circunstâncias tem sua fenomenologia amplamente estudada por cientistas de diversas  áreas e não pertencem ao campo dos mistérios nem do sobrenatural. Fatos, aliás, muito naturais, que ocorrem desde que o homem foi criado. Em todas as épocas da humanidade, a mediunidade, sob vários rótulos, demonstrou aos homens que a vida continua após o túmulo e que continuamos a progredir moral e intelectualmente.

“a par”: Você acredita em reencarnação? O que é um espírito evoluído? 
Joe Bazilio: Essa é a base do espiritismo. Se não acreditar não pode ser espírita. Um espírito evoluído é o que o nome sugere, evoluído. Espírito que já reencarnou várias vezes, se aperfeiçoou moral e intelectualmente, e que vive pra ser um cooperador de Jesus,  fazendo o bem que puder, ajudando as pessoas a progredir, sendo abnegado nos afazeres que lhe competem em cada encarnação.

“a par”: Qual a sua opinião sobre o ecumenismo? Há como as diversas religiões conviverem harmonicamente? 
Joe Bazilio: O ecumenismo é a culminância do humanismo, onde cada religião compreende a outra sem julgamentos, entrelaçando os conhecimentos, promovendo a tolerância entre os diversos segmentos e trabalhando em conjunto para proteção do planeta e melhoria da humanidade.
É como o esperanto para as diversas línguas...

“a par”: Por fim, o que há em comum entre a música e a doutrina espírita?
Joe Bazilio: A música é o esperanto dos sons. Todos os povos, desde a época das cavernas, produzem suas músicas...entre o espiritismo e a música temos que abrir um parênteses… a música existe no universo como forma de harmonização dos corpos celestes. Segundo estudiosos, os intervalos entre os planetas produz sons harmoniosos pelo espaço, embora não os ouçamos. A música, especificamente do planeta Terra, tem seu ápice, na música clássica dos grandes mestres, que viveram no passado e que continuam, alguns, a reencarnar atualmente. As melodias celestiais produzidas por eles são a expressão maior da beleza sonora. Para o espírito isso equivale a fazer vibrar os seus tecidos “corpóreos” a ponto de se harmonizarem, curar doenças, apaziguar disfunções, estabilizar mentes conturbadas e outras muitas benesses produzidas pelos sons harmônicos. O contrário também é verdadeiro. A música de baixo teor, produz doenças de vários matizes. O espiritismo vem para, também, demonstrar, que a musicoterapia baseada em harmonias sutis é verdadeira.

Capa do LP do grupo Cheiro da Terra. Joe é o segundo da esquerda para a direita

Joe ao centro com o violão com os músico de Edimilson Dantas e Rodrigo no grupo Galera do Samba

Joe Bazilio