O Canto do Cisne Negro
Por: Jorge Zaidam Viana de Oliveira (De Formiga/MG)
As bandas de música de cidades interioranas eram, do início até meados do século XX, praticamente as únicas agremiações responsáveis pela presença musical em quase todos os eventos que fugiam do cotidiano das pessoas.
Claro, não havia os ensurdecedores equipamentos eletrônicos de hoje, quando se promovem até encontros de simpatizantes de som automotivo, com certames onde se disputam quem consegue fazer mais barulho e não apresentar melodias agradáveis aos nossos ouvidos. Uma insensatez na minha opinião.
Como já escrevi neste espaço, em 1908 foi criada em Formiga a Corporação Musical São Vicente Férrer, cujos maestros foram, o fundador, Pedro Severiano de Deus, José Eduardo Júnior, que regeu em conjunto com Acácio Antônio de Barros. Com a morte deste, José Eduardo assume definitivamente. Por último, o clarinetista Manoel Luiz Duque.
Acácio de Barros era um afrodescendente que chegou a Formiga, vindo da vizinha Arcos para trabalhar em uma fábrica de móveis. Era detentor de um profundo conhecimento da arte musical. Compunha e regia com perfeição. Era marceneiro, assim como a imensa maioria dos músicos das pequenas bandas de retreta, que tinham uma profissão que não era a de ser músico, muitas delas ligadas à construção civil. Era comum encontrar um trompetista carpinteiro, um saxofonista pedreiro, um trombonista bombeiro. Também tinham alfaiates, sapateiros, mecânicos e alguns empregados nas pequenas indústrias da cidade, como soldadores e ferreiros.
O maestro Acácio não tinha formação acadêmica em música, era autodidata, não frequentou nenhum conservatório, que são as escolas de formação musical, porém possuía o chamado ouvido absoluto, que é a capacidade que alguns musicistas têm de identificar a nota musical exata de qualquer som sem a necessidade de uma referência prévia. Uma das suas mais lindas composições era uma peça que não chegou a ser terminada, porque ele, acometido por uma enfermidade, não conseguiu finalizá-la nem lhe dar um título. Pediram para que ele a intitulasse, mas o autor pediu um tempo para se inspirar e terminar a composição.
Segundo o saudoso pesquisador Claudinê Sílvio dos Santos, Acácio tinha o costume de não jantar e, no lugar dessa refeição, gostava de consumir queijo com rapadura, esse hábito diário o levou a adquirir diabetes.
Doente, em uma época em que não havia os recursos da medicina de hoje, restou-lhe ficar acamado. Lembraram-lhe de que a harmoniosa peça musical de sua autoria ainda faltava alguns compassos e estava sem o título. Insistiram para que o autor a terminasse, mas a doença lhe havia tirado as energias e, em seguida, as complicações o levaram a morte antes de atingir a 3ª idade. O regente José Eduardo Júnior terminou a peça, compondo a sua parte final.
De acordo com os relatos do músico Geraldo Luiz Duque, antigo integrante da Corporação Musical São Vicente Férrer e um dos últimos confidentes do maestro José Eduardo, durante os funerais de Acácio de Barros, a corporação compareceu para prestar as últimas homenagens ao finado músico, tendo sido escolhida justamente a peça sem nome para ser executada aos pés da sepultura. Presente estava o médico João Vaz Sobrinho, que viria a ser Deputado Estadual, que, ouvindo a bela melodia, perguntou aos músicos qual era o título da peça apresentada. Após as explicações pela falta de um nome, ele mesmo, inspirado nas origens do autor, após um comovente discurso, propôs que o título fosse algo que remetesse à beleza de uma ave e sugeriu “O Canto do Cisne Negro”. Assim a peça musical tocada quando do voo do maestro “Cisne Negro” para outras esferas da vida, finalmente ganhou um título.