O casulo

Por Wilson Liberato (De São Paulo/SP)

O casulo
Wilson Liberato é escritor

Há pessoas que se cansam da rotina da vida cotidiana e, quando podem (os que podem), buscam refúgio longe de casa: praia, campo, pescaria, hotel fazenda, resort, outro país... Ao retornarem, se dizem revigoradas para continuar enfrentando o batente. Tudo de novo! Parece a saga do fofoqueiro Sísifo, na mitologia grega – o que recebeu de Hermes o castigo de, todos os dias, rolar uma pesada pedra montanha acima até o cume. Ao terminar a jornada, a pedra rolava montanha abaixo, para ser levada de volta ao topo no dia seguinte, e assim por toda a eternidade. Os sísifos atuais, por sorte, ainda contam com algumas férias para descansar o lombo. Há até quem trabalhe em casa, no que se convencionou chamar no Brasil de home office. A bem dizer, a pedra fica mais pesada (que o digam os professores).
Há quem, por opção, se enclausure em mosteiros ou conventos, onde diz encontrar a felicidade por meio de preces e reflexões – fugindo deste mundo de perdição. Há os que se retiram em roças, sítios, fazendas, choupanas – abismados com os viciados costumes urbanos. Esses, vez ou outra, ainda visitam a cidade para comprar o mínimo necessário, assistir a algum evento religioso ou fazer um tratamento médico adiado ao extremo. E retornam depressa para seus casulos com a cabeça zoando.
Existem os ermitões e ermitãs – criaturas que se alienam do convívio social – vivendo sozinhas, solitárias, em lugar ermo ou isolado; seja por penitência ou desilusão. Há os andarilhos que, apesar de depender da ajuda de benfeitores, fogem do contato social, incluindo suas famílias. Seja porque foram rejeitados ou se sentiram revoltados com o excesso de cobrança da vida em sociedade. Em alguns países de língua inglesa, existe a figura do hobo, um tipo de andarilho que circula por várias cidades, marcando com um símbolo os locais que lhe oferecem calçados, roupas usadas e alguma comida. 
Na Literatura, há registros desses indivíduos reclusos: o velho do rio, do mar, do deserto, da selva... Da música popular (perdão pelo anacronismo) eu me lembro de Roberto Carlos (1965), em O velho homem do mar: “[...] Mas um dia de manhã/O velho, todos viram no seu barco entrar/Mas seu barco não voltou/Todos se juntaram para olhar o mar/Desse dia em diante/Em lugar algum ele apareceu/Procuraram sem cessar/Mas o velho, todos acham que morreu no mar/Há quem diga ainda mais/Que por muitos anos muita gente viu/Certo barco a vagar/Na escuridão do solitário mar [...]” Os Beatles (1966) gravaram a antológica Eleanor Rigby: “ [...] Todas as pessoas solitárias/De onde elas vêm?/A que lugar pertencem?/Ah, olhem para as pessoas solitárias [...]” 
Na mesma linha, os solitários modernos são chamados de cocooners (inglês, pra variar). Gente que se isola em casa, às vezes, no próprio quarto transformado em cocoon (casulo). Geralmente, são seres deslocados socialmente, plugados 24/7 em seus computadores ou celulares. Oxalá ocorra alguma metamorfose, como nos casulos reais. O cocooning é a prática na qual pessoas dotam suas residências com todo conforto, suprimentos, equipamentos de trabalho e lazer – tornando suas moradias refúgios para que não precisem sair nem ter contato com os outros. 
Há também os bamboccioni... Mas o espaço deste artigo está acabando, e já estou cansado de falar de solidão. Fica pra outra vez. Aproveito para pôr o focinho fora do meu casulo e desejar a todos um Feliz 2024!