Paulo José Rodrigues Lima
Professor, jornalista, escritor, músico e psicanalista
Dificilmente alguém é expoente em tudo, poucas vezes uma pessoa é competente nas diferentes áreas em que atua, quase nunca há o merecido reconhecimento. Com o professor, músico, escritor e psicanalista Paulo Lima, há uma infinita e imensurável competência que o faz único.
Nascido em 26 de maio de 1971, Paulo é filho de Paulo Gonçalves Lima e de Therezinha Rodrigues Lima, é casado com Sérbia White Lima Pinto. Sua vida escolar começou na Escola Estadual Prof. Rodolfo Almeida; depois, Joaquim Rodarte, Santa Teresinha e, na sequência, Jalcira Santos Valadão. Formou-se em Letras no Unifor-MG.
Começou suas atividades prematuramente na leitura, escrita e música devido a histórico familiar com avós músicos e jornalistas. Trabalhou na Tipografia Carlos Gomes, no jornal “O Pergaminho” e em revistas da região. Foi colunista cultural do jornal “Brasil Econômico”, de São Paulo-SP. Foi professor dos ensinos fundamental, médio e pré-vestibular do antigo colégio Anglo (atual Lonsango), em Arcos, Piumhi e Formiga. É pós-graduado em Ensino da Língua Portuguesa. Compositor, vocalista e instrumentista, gravou três álbuns de músicas autorais com a banda Anarkaos, com a qual fez longas temporadas em Belo Horizonte e por todo o interior mineiro. Também participou de grupos de rock brasileiro, blues, rock 90 e rockabilly. É autor do romance “Formigas de Camisetas Pretas” sobre o surgimento de bandas de rock em Formiga na década de 1.990. Percorreu várias cidades do mundo para visitar e colher informações sobre as mais diversas manifestações artísticas e religiosas. No sul dos Estados Unidos, estudou as origens do blues e do jazz.
Em 2.023, certificou-se psicanalista pelo Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, de Campinas-SP. Atualmente está em formação continuada no Instituto de Psicanálise da Escola Superior de Educação e Psicologia, de Londrina-PR, no Programa Mais Psicanálise da Casa do Saber, de São Paulo-SP, e na Confraria Analítica de Belo Horizonte.
“a par”: De roqueiro a escritor, de escritor a professor, de professor a terapeuta. Como foi sua trajetória?
Paulo Lima: Venho de uma família de músicos e professores. Havia livros espalhados por todos os cantos da casa e eu os usava para construir estradas para os meus carrinhos. Minhas tias tinham bibliotecas maravilhosas, onde eu me perdia nas ilustrações dos livros. Comecei a ler vorazmente. Era uma descoberta constate de emoções e mundos inteiros. Minhas primeiras redações já despertavam o interesse de minhas professoras. Sobre a música, meu pai fabricava instrumentos de percussão para que eu acompanhasse os discos que ele ouvia. Ele começou a registrar minhas performances infantis num gravador cassete e eu me apaixonei pelos mistérios que levavam um pequeno aparelho a gravar sons. Aprendi a tocar bateria sozinho, usando almofadas, um par de chinelos virados ao contrário, simulando pedais, e baquetas de fanfarra. Daí foi uma banda atrás da outra, o clipe do Anarkaos na MTV e vários outros projetos. Depois de minha experiência como jornalista em “O Pergaminho”, fui convidado para dar aulas de redação, português e literatura no antigo colégio Anglo. Ao dar aulas sobre Modernismo Brasileiro, percebi a influência de Freud sobre vários artistas nacionais e sempre busquei a oportunidade de me dedicar a sua leitura. Foi o que fiz durante a pandemia e agora leio vários autores. Meu interesse em estudar psicanálise em uma instituição foi automático a partir desse processo.
“a par”: Como a música chegou à sua vida? Qual a importância que ela tem até hoje?
Paulo Lima: Explicar sobre música é complicado. É uma arte essencialmente abstrata, que me aplica sensações inexplicáveis, irreproduzíveis. Gosto muito de letras bem trabalhadas, o que aumenta o prazer da experiência. Só detesto ouvir em ambientes muito lotados. Gosto de reparar nos timbres, nos cantores, arranjos. Atualmente não posso participar mais de bandas devido a um probleminha num dos ouvidos. Foram décadas de som em altíssimo volume tanto em ensaios como em shows. Mas sempre assisto a shows no YouTube para me “vingar” da adolescência, época em que eu tinha de ficar um mês juntando grana para comprar um disco de vinil. Era sofrido, mas era massa.
“a par”: Por que o rock e não o samba ou a MPB?
Paulo Lima: Cresci ouvindo o melhor da MPB com meus pais e irmãos. Era impressionante ver meu pai cantando Vicente Celestino e Nelson Gonçalves. Minha mãe cozinhava cantando Dalva de Oliveira e Chico Buarque. Meus irmãos ouviam rock e disco music. Descobri a black music vendo desenhos animados do Jackson Five. Mas um dia um amigo trouxe uma fita cassete com Deep Purple e Johnny Winter. Me identifiquei com as vozes, a genialidade melódica dos solos de guitarra. E a bateria me trazia o lado mais energético e pujante da música. Meu sonho era tocar como Phil Collins, o baterista mais elegante que já existiu. Ouço MPB e samba com minha esposa. Acho a música genuinamente brasileira uma das mais ricas do mundo. E sempre visito meus CDs de música clássica.
“a par”: Há uma ideia de que o rock tem a ver com adolescência e juventude. Quando professor, você não correu o risco de seus alunos o confundirem com um simples colega e não como um professor? Como você manteve a autoridade?
Paulo Lima: O fato de eu gostar de rock e de cultura pop fez com que eu desenvolvesse uma linguagem acessível. Minha convivência com os alunos sempre foi muito harmônica. Entre os estudos, um papinho sobre um bom filme ou o lançamento do último trabalho de uma banda ajudavam a levar a complexidade das matérias em um ritmo bem dosado. Agora, se alguém me atrapalhasse demais, eu o retirava da sala e passava atividades. Se não fizesse, zero no teste, então todo muito arranjava lá sua boa vontade. As turmas eram fantásticas, uma convivência maravilhosa. Sinto muitas saudades de cada turma.
“a par”: Em seu livro, você mistura ficção com memória. Como nasceu a ideia da obra?
Paulo Lima: O livro foi concebido a partir de um fato estranhíssimo que aconteceu em Formiga em 1.991. O sinal da MTV (Music Television) começou a pegar de graça por aqui e o clima da cidade mudou. Eu tinha vinte anos. Pra onde eu ia, as pessoas só falavam dos clipes da emissora. Como Formiga é uma cidade musical historicamente, não demoraram a pipocar bandas pra todo lado. Eu e uns amigos criamos a nossa e começamos a promover shows e festivais com outros grupos. Formiga havia entrado pra cena grunge que o mundo inteiro estava curtindo, a verdade é essa. Anos mais tarde, reuni muita saudade, lembranças, fatos reais e cunhei meu romance cujo substrato é o valor da amizade. Fiquei muito feliz com a ótima repercussão do livro. Muitos exemplares foram vendidos através do portal da Amazon graças ao trabalho da KBR, editora de Petrópolis. Até hoje pessoas me procuram para comentar a obra ou para adquirir um exemplar impresso, mas está esgotada.
“a par”: Quando há lembranças como matéria prima de um livro, imagina-se uma obra aberta, pois a vida continua. Virá uma nova publicação?
Paulo Lima: Por enquanto, não haverá publicações ficcionais. As aulas particulares que ministro, mais meus estudos em filosofia e psicanálise não o permitiriam. É claro que a literatura de ficção pode voltar a me capturar.
“a par”: Como veio a terapia em sua vida?
Paulo Lima: Durante a pandemia, fiquei impedido de dar aulas e de tocar no Clandestinos, que foi minha última banda. A enorme ansiedade que me aplacou me levou a Sigmund Freud, o criador do método psicanalítico. Li sua obra “O mal-estar na civilização”, alguns traduzem “na cultura”, e pude refletir sobre várias questões que se abatiam sobre mim, submetendo-as ao psicanalista que me atendeu naquela época. Passei a ler outros autores e descobri que a psicanálise é um dos mais importantes campos do saber já criados pela humanidade. É uma área em que a formação nunca termina e em que os atendimentos são sempre supervisionados.
“a par”: Como a sua experiência como músico e escritor o auxilia como terapeuta?
Paulo Lima: A música traz sensações do inconsciente, o grande objeto de investigação da psicanálise. Já o paciente se serve da fala para expressar sentimentos e experiências. A linguagem verbal é a grande ferramenta para o método psicanalítico. Já a música pode ser uma grande parceira para o desenvolvimento da acuidade da escuta do terapeuta.
“a par”: Como você vê a cena musical hoje em Formiga?
Paulo Lima: Tenho poucas oportunidades para acompanhar, mas é possível ver ótimos músicos de vez em quando. Todos, em suas respectivas áreas de atuação, demonstram muita competência como compositores e instrumentistas. Há que se ressaltar o excepcional trabalho de compositores formiguenses, que se destacam no cenário brasileiro há muito tempo.
“a par”: E a literária?
Paulo Lima: Vejo pela imprensa e pelas redes sociais que há lançamentos constantes de publicações em prosa e verso, além de excelentes artigos na imprensa local. Gostaria de ter tempo para acompanhar mais.
“a par”: Como você vê a saúde mental dos artistas formiguenses?
Paulo Lima: Todos nós, trabalhadores, artistas, brasileiros ou não, vivemos numa época em que os sofrimentos mentais alcançam índices alarmantes. Se a pessoa sente que um desconforto psíquico está atravancando seus relacionamentos sociais ou afetivos, bem como criando obstáculos no trabalho, deve procurar a forma de terapia que melhor lhe convier. Existem muitos e ótimos profissionais atuando em Formiga. Quanto aos artistas formiguenses, todos malucos beleza.
“a par”: E a dos alunos?
Paulo Lima: Os estudantes estão padecendo dos efeitos do ritmo da economia global e das consequências do excesso do uso de celulares e outras telas. A sociedade exige alta performance o tempo todo e ainda por cima nossos jovens mergulham demais na internet, sempre se comparando com outros que estão supostamente mais felizes, mais bem acompanhados, na cidade mais bacana. Tudo isso leva a níveis de ansiedade altíssimos e a uma série de sofrimentos e medicalizações sem critério. Pais e professores precisam ficar em constante alerta. E há ainda os perigos de assédio sexual nas redes. Sempre recomendo ajuda profissional no caso de conflitos mais comprometedores durante a adolescência.
“a par”: E a da população como um todo?
Paulo Lima: O Brasil é o campeão mundial na incidência de ansiedade e um dos primeiros colocados nos níveis de depressão. Em grande parte do mundo, instabilidades sociais, políticas e alimentares estão comprometendo o psiquismo humano. Os consultórios da área psi estão sendo cada vez mais procurados. A mente humana está muito doente.
“a par”: Quem gosta de música, de literatura e estuda e pratica a terapia envelhece?
Paulo Lima: Envelhece, claro! Mas é sempre bom que os cabelos brancos estejam acompanhados de um disco ao vivo de Frank Sinatra, de algumas páginas de Guimarães Rosa, e por que não da sabedoria desafiadora do Prof. Freud?