Um herói da Semana Santa

Por: Jorge Zaidam Viana de Oliveira (De Formiga/MG)

Um herói da Semana Santa
Jorge Zaidam é Professor veterano de história

Recentemente celebrou-se em Formiga a Semana Santa, período em que se relembra a paixão e a morte de Cristo. Todas as paróquias se esmeraram nessas celebrações. 
No passado tudo se concentrava na Paróquia São Vicente Férrer, em seu templo mor, a matriz do santo padroeiro da cidade. As procissões tinham um brilho especial, e literalmente brilhavam pela grande quantidade de velas levadas pelos fiéis, hoje quase ninguém as conduzem. O cortejo de Nossa Senhora das Dores, tradicionalmente acompanhado pelas mulheres, o do Senhor dos Passos, seguido pelos homens, o Encontro, representado por imagens quando a sofrida mãe se depara com o seu filho condenado, carregando a sua própria cruz. 
Na Sexta-Feira Santa era o ponto alto das celebrações. Primeiro a cerimônia do descendimento da cruz, feita por homens vestidos de túnicas brancas, acompanhada de um vibrante sermão feito por um padre escolhido para o momento, que dava explicações sobre a paixão e a morte de Cristo, fazendo um paralelo com a vida dos fiéis. A seguir, o emocionante canto da Verônica, para depois iniciar a grandiosa procissão, assim como as outras sempre abrilhantada pela Corporação Musical São Vicente Férrer, executando as suas marchas fúnebres, com títulos sugestivos como Gólgota, Soluços D’Alma, Dolorosa, Lágrimas de Jesus e Lágrimas de Mãe.
    Ao final da procissão, as imagens representativas de Jesus morto e de sua mãe Maria, eram recolhidas ao interior do templo e as portas eram fechadas, para que elas fossem colocadas em um local de destaque dentro da igreja. Do lado de fora, cada fiel tentava ficar em fila para entrar e beijar uma fita que pendia das imagens e, assim, demonstrar a sua crença através do seu beijo, simbolizando daquela forma, que estaria tocando direto com os lábios aqueles símbolos de fé.
    O nosso herói de carne e osso, surge nesse momento. Com as portas do templo fechadas e sem um organizador das filas, o empurra-empurra foi inevitável, quem estava segurando a porta pelo lado de dentro não suportou a pressão e essa veio a abrir repentinamente, provocando um atropelo dos fiéis. Alguns caíram e entre eles uma criança dos seus seis anos, que só não foi pisoteada, podendo vir a ter consequências imprevisíveis, graças à ação rápida de um senhor de meia idade, que viu o menino se soltar do braço da mãe e na confusão cair ao chão. O audaz homem imediatamente pegou a criança, levantou-a em seus braços protegendo-a, não sem antes gritar a plenos pulmões: “Calma, gente! Aqui tem crianças e idosos!”
    Esse herói passageiro certamente não se deu conta de que naquele dia ele salvara uma criança de ter ferimentos graves. O menino o guardou na memória e, já em casa, perguntou à sua mãe quem era aquele homem que o apanhou no chão, a agradecida mãe lhe disse que se tratava de um homem do bem, não sabia seu nome, mas sabia que era filho do maestro José Eduardo Júnior, da banda que tocara na procissão.
    Como o mundo dá voltas, recentemente o menino protagonista daquele episódio, hoje não mais um menino, já ostentando seus cabelos bem grisalhos caminhando para brancos, se encontrou com um sobrinho do seu antigo salvador e com ele confirmou quem era a pessoa a quem procurava.
    O garoto nunca mais teve contato com o seu herói da Semana Santa, que hoje habita a Morada do Senhor. O valente homem nasceu em 6 e agosto de 1920 e faleceu em 10 de abril de 1968. Seu nome José Eduardo Neto, seu apelido Zuzu (foto). A criança salva por ele de um pisoteamento é este que escreve estas reminiscências... 
Embora com atraso de mais de sessenta anos, muito obrigado, Zuzu!